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Banquete – Um Convivium à Sátira


Muitos dos que praticam a culinária se inserem de cabeça neste magnífico universo por uma série de fatores. Pode ser um dom, um hobby, um trabalho. Dependendo do gosto de cada um, o interesse será diferente. Mas uma coisa é certa, a comida possui um charme e é este charme, potencializado na mente de cada um, que cativa a todos. Sejam eles meros espectadores ou grandes chefs.

Este chamariz entre quem come e o que é comido se dá na mesa e, na minha opinião, mais acentuadamente no jantar – a principal refeição de qualquer cultura gastronômica. Pois foram em grandes jantares que surgiram muitas idéias, discursos, afirmações e interrogações que moldaram fatos marcantes na história. A grande maioria, infelizmente, desfavorável à massa.

O primeiro registro histórico de um grande banquete luxuoso está na sátira de Petrônio (Satyricon) e descreve perfeitamente todo desperdício de comida e politicagem barata que a época permitia. Escravos lavando seus pés enquanto você ingeria ótimos goles de vinho nada suave e bem adocicado e, ao fundo, outros escravos tocando fanfarras para climatizar o ambiente, recepcionando todos os convidados. Semelhanças nos dias de hoje não são meras coincidências.

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“No prato de entrada havia um jumento de bronze corintiano, carregando uma cesta dupla, com azeitonas verdes de um lado e azeitonas pretas do outro, … pequenas pontes soldadas atravessavam os pratos; continham arganazes [uma espécie de esquilo pequeno] mergulhados em mel e polvilhados com sementes de papoula. Havia também salsichas quentes numa grelha de prata e, por baixo, ameixas e sementes de romã”.

A descrição refere-se apenas ao prato de entrada. Pois o segundo prato, um javali salgado com porquinhos de massa de farinha de trigo, entrava em cena com declamações de poemas de Trimálquio. Os porquinhos eram dados aos convidados como presente. Em seguida entra um trinchador, vestido a caráter, dissecando o javali salgado e suculento para a felicidade dos fanfarrões.

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Neste farto jantar a festa jamais parece acabar, até a entrada da sobremesa.

“Consistia de tordos de massa recheados de passas e nozes; havia também marmelos com espinhos enfiados, parecendo ouriços-do-mar… um ganso gordo cercado de todos os tipos de pássaros”.

E tudo se acaba com todos bêbados. Trimálquio, caído como um cadáver, ao som fúnebre de uma marcha tocada pelos escravos, escutava outro escravo declamar seu testamento mal escrito em voz alta e, logo após, todos vão embora com a agenda do dia encerrada com total sucesso.

Este relato é antigo da mesma maneira que o tema abordado, mas sempre será importante para a História da Gastronomia porque há várias características que se estenderam a partir dele. Como, por exemplo, o locus consularis – local da mesa onde se senta o conviva principal – a própria sequência da entrada dos pratos e talheres, o teatro por trás da maneira de servir, as músicas e cores em cada local do jantar e, principalmente, o momento adequado para falar de negócios.

Não é de se espantar que este documento esteja em um livro de sátira, pois toda esta soberba era um grande banquete às críticas da vacuidade que toda cena da época expunha.

Até hoje esse ritual todo que se dá em torno da “etiqueta de mesa” sofre uma grande zombaria, mas ela nada mais é que uma extensão do convivium romano adaptada à nossa realidade socioeconômica. Porque, desde aquela época, o ato de comer em conjunto tornou-se um ato social da cultura ocidental de distinção de status.

Apesar de hoje falar-se tanto em desconstrutividade da gastronomia e da bistromia, ainda é ultrajante ver alguns restaurantes terem uma atitude de segregação dos seus clientes por acomodações. Espaços VIPs, mesas privativas e valores diferenciados por reserva antecipada nada mais é que uma atitude antiquada, já que provém da Cena Trimalchionis descrita acima.

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Como nem toda herança pode ser boa, esta é mais uma que veio para ser ridicularizada e satirizada nos diversos meios de comunicação, assim como ela ridicularizou e satirizou toda uma sociedade por meio de um simples assento à mesa.

Um comentário em “Banquete – Um Convivium à Sátira

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